O “bom sedutor” tem em si a síndrome do Don Juan. O Donjuanismo é uma expressão em desuso que veio à tona há algum tempo, depois do filme: Don Juan de Marco, com Marlon Brando e Johnny Depp. O donjuanismo é um protótipo particular do comportamento humano, esta baseado particularmente em valores culturais e morais.
De cara, ele pode parecer irresistivelmente sedutor e até carente. Mas o modo de agir nem sempre é o mesmo, embora seja um bom rótulo usado para classificar qualquer homem com tendências a praticar canalhices.
A tese pode não ter base científica, mas a percepção dos relacionamentos da vida real indica que é verdadeira: homens com perfis gente boa, atenciosos e dedicados não despertam tantas e tão acaloradas paixões quanto os que têm ares de aventureiro indomável, e deveriam trazer escrito na testa “nada confiável”. Jovem ou madura, quase toda mulher tem ao menos um relacionamento-encrenca para contar. É que a lista de razões que faz a preferência feminina reincidir sobre o homem-furada é vasta.
Segundo Jung, para quem qualquer forma de arte, assim como os mitos, são veículos para a expressão do inconsciente coletivo, Don Juan pode representar nossos arquétipos (Walter Boechat – veja mais sobre o filme).Trata-se de um padrão de personalidade caracterizado por uma pessoa narcisista, enamorada, inescrupulosa, amada e odiada e que faz tudo valer para a conquista de uma pessoa.
Independente das interpretações psicanalíticas sobre o filme Dom Juan de Marco, interessa aqui apenas caracterizar um tipo de conduta atual. Descreve-se o donjuanismo como uma personalidade que necessita seduzir o tempo todo, que aparentemente se enamora da pessoa difícil, mas, uma vez conquistada, a abandona por desinteresse. As pessoas com esse traço não conseguem ficar apegados a uma pessoa determinada, partindo logo em busca de novas conquistas. Elas são os anarquistas do amor (Sapetti), tornando válidos quaisquer meios para conquistar, não obstante, os sentimentos da outra pessoa não são levados em consideração. Aliás, Foucault enfatiza essa questão ao dizer que Don Juan arrebenta com as duas grandes regras da civilização ocidental, a lei da aliança e a lei do desejo fiel.
Em psiquiatria clínica, entretanto, o desprezo para com o sentimento alheio pode ser critério para caracterizar uma atitude psicopática ou antissocial. Para o Don Juan só interessa o hedonismo, o instante do prazer e o triunfo sobre sua conquista, principalmente quando a pessoa de seu interesse tem uma situação civil proibida (casada, freira, irmã ou filha de amigo, etc. Ou ainda, os correspondentes masculinos). Sobre essa característica o escritor Carlos Fuentes, alega ao seu Don Juan a frase: “Porque nenhuma mulher me interessa se não tiver um amante, marido, confessor ou Deus, ao qual pertença…”.
Pois é, o tipo cafajeste é realmente sedutor e, se a autoestima, estiver baixa e a carência em alta, ele vai parecer ainda mais irresistível. “O cafajeste é propaganda enganosa”, diz Fabricio Carpinejar, autor do livro de crônicas “Canalha!” (ed. Bertrand Brasil). Para ele, a mulher que se deixa levar pelo “cafa” é carente e pouco exigente. ‘Como ele cria um papel, e certamente será desmascarado, procura as ingênuas. Assim, a farsa dura mais.
Até o rótulo de cafajeste, um tanto genérico, contribui para as mulheres serem atraídas para emboscadas. Acontece que os “cafa” e/ou “Don Juan” não seguem um único script. Ao contrário, podem assumir diferentes personagens, tornando mais difícil desmascará-los antes de o estrago estar feito. Como medida preventiva, seria viável observar nas entrelinhas os seus atos falhos. Mas até aí seria se policiar demais? E apostar de menos?
Normalmente essas pessoas ignoram a decência e a virtude moral, mas seu papel social tenta mostrar o contrário; são eminentemente sedutores. O aspecto de desafio mobiliza o Don Juan, fazendo com que a conquista amorosa tenha ares de esporte e competição, muitas vezes convidando amigos para apostas sobre sua competência em conquistar essa ou aquela mulher. Não raro, esses conquistadores trazem listas e relações das mulheres conquistadas, tal como um troféu de caça.
Por outro lado, segundo Kaplan, deve haver significativos sentimentos homossexuais latentes nesses indivíduos. Esse autor considera que, levando para a cama a mulher de outro, o donjuan estaria inconscientemente se relacionando com o marido, motivo maior de seu prazer. Tanto que é maior o prazer quanto mais expressivo é o marido ou namorado traído.
O narcisismo (traço feminóide) dessas pessoas é uma das características mais marcantes, a ponto delas amarem muito mais a si mesmas que a qualquer outra pessoa conquistada. Outros autores acham o donjuanismo um excesso do complexo de Édipo, ou fixação na mãe, já que muitos deles não constituem família com nenhuma de suas conquistas e acabam vivendo para sempre com suas mães. Em contrapartida, muitos desses perfis se casam, algumas vezes, ou vivem de aventuras amorosas.
Apesar dessa compulsão à sedução, isso não significa que a pessoa portadora de donjuanismo seja, obrigatoriamente, mais viril ou mais ativo sexualmente. Esse quadro não deve ser confundido com a Atividade Sexual Compulsiva onde, aí sim há hipersexualidade.
A trajetória de sua vida nem sempre resulta num final satisfatório. Normalmente as pessoas com esse perfil de personalidade acabam por não se fixarem com nenhuma companhia mais seriamente, e acabam se aborrecendo quando constatam que não têm mais facilidade para conquistar mocinhas de 20 anos, quando já estão na casa dos 60. Além disso, muitas vezes acabam ridicularizados por essas tentativas totalmente fora do contexto.
“Ser de todo mundo, não ser de ninguém, é o mesmo que não ter ninguém também… É não ser livre para trocar e crescer… É estar fadado ao fracasso emocional e à tão temida solidão.”
Bibliografía
Brockman DD – The fate of Don Juan: the myth and the man – Adolesc Psychiatry,
1992, 18:, 44-62
Holzbach E – Don-Juanism. Sexual formation of style as a culture-historical phenomenon and psychiatric problem – Schweiz Arch Neurol Neurochir Psychiatr,
1977, 120:2, 227-41
Kaplan H, Sadock B, Grebb J – Sinópse de Psiquiatria, Koogan, 4ª ed. 1994.
Sapetti A – Los varones que saben amar, Buenos Aires – Galerna, 1996.
Sapetti A, Rosenszvaig R – Sexualidad en la pareja – Buenos Aires, Galerna, 1987.
Smith CU – Don Juan and the vision of Vision – Perception, 1981, 10:4, 435-53
Clara Piquet
Desde que o mundo e mundo….o perigo atrai e nos mulheres sabemos dos riscos que corremos diante de um sedutor!
Infelizmente sao eles que tem mais a oferecer no quesito conquista e paixao….as vzs perturbam apenas com um olhar, dificil mesmo resistir!
Eu so nao acho que possa existir toda essa carga de negatividade em um homem com essas características…mesmo com meu pouco conhecimento sobre psicologia penso que o donjuanismo possui caracteristicas que nao tem relacao com isso que afirma Kaplan sobre sentimentos homossexuais latentes.
Mas sei que existem diverso graus de distúrbios psicológicos…vai saber ate onde essas atitudes sao prejudiciais alem da dor do amor nao correspondido e do abandono (por si so tao crueis!)
Gostei do texto…quase um alerta…rsrs
Rogério Zinhani Zignani
Acho que há duas diferenciações a serem feitas: Uma é entre a mulher e o homem que usam seus atributos de sedução para o poder e a promiscuidade. E a outra é quando a mulher e o homem são sedutores por fixação na figura de seu cuidador do sexo oposto, e se tornam apenas chantagistas afetivos(pessoas mimadas). O amor recebido em excesso do(a) pai/mãe é agora usado como meio de compensação e pertencimento. Ex: O menino que convive muito com a mãe ou demasiadamente ligado a ela, consequentemente tem todo o amor dela, e aprende todos os mistérios femininos. Naturalmente este menino conhece todos os segredos da conquista da mulher. O mesmo ocorre com a menina que é demasiadamente ligada ao pai, é a chamada “menininha do papai”, aquela que conhece todos os segredos para conquistar um homem, sabe seduzi-lo, sabe também manipulá-lo(olha que muitas dessas se tornam secretárias de executivos, ou aéreo-moças..rsrsrs). Na minha opinião não dá pra condenar a sedução em sí, nem demonizar o uso dela, mas dá pra percebermos qual é o equilíbrio necessários dentro do jogo da sedução. Em casos mais graves, trabalhar esta fixação da infância que pode estar impossibilitando o indivíduo de amar um outro que não seja a si próprio(narcisismo). O desequilíbrio desse jogo, do dar e tomar nas relações, pode ocasionar o que você descreveu em seu texto, que é a sedução tornar-se patológica ou nociva.
Roberta Rocha
Um Novo Ano surgiu para nós. Sempre sonhamos com dias melhores! Bom q seja assim… cheio de sonhos e menos frustrações. Estava lendo o seu novo artigo, e calha muito bem, com nossa sociedade farsante, hipócrita, cheinha de gente perdida… Aí vc fala do Donjuanismo, q é um assunto excelente! Gosto dos seus pensamentos pq vc não é àquela psicanalista fechada, q vive dentro das normas, sei lá se posso dizer assim, q diga-se de passagem, é uma chatice!!! Ai pergunto Luzziane, será q toda esta sociedade da informação acelerada não estão vivendo uma real/realidade/virtual do Donjunismo? Jà deixando o q penso, sim! estamos vivemos a sociedade donjuanista…
Bjs e um 2013 de muito sucesso e excelentes artigos, como vem nos presenteando.
Mel Bustamante
Lu, querida,
lendo seu bem escrito artigo, ocorreu-me pensar em Doña Juana… e por que não?
Na realidade o chamado Donjuanismo não tem gênero. E em, que nem sempre é tão extremo, a ponto de caracterizar uma atitude psicopática.
Verdade que sua conduta denota desvios ou transtorno de personalidade, mas, também podemos analisar pelo lado do seduzido… isto é, quem é o outro que está receptivo ao Don Juan ou à Doña Juana ? Quanto se deixaria seduzir ou até busca por isso?
O que leva pessoas a se relacionarem com Don Juans?
O jogo da sedução se joga a dois… As emoções, neste jogo, tem duplo objeto. Tem mão e contra-mão.
Mais ainda nos dias atuais!
Por outro lado, também é verdade, que há uma epoca em nossas vidas que nao estamos dispostos a relacionamentos serios, a compromissos ou a resistências… Queremos seduzir, conquistar, ‘ganhar’, ficar… pelo simples prazer do jogo conquista, da seduçao… Ou pelo prazer estar enamorado, de novo, e de novo, ainda que por pequenissimo tempo. Ou ainda pelo doce sabor da paixão ou pela adrenalina da aventura… E isso independe de ser do sexo masculino ou feminino!
Há ainda o lado da banalidade dos relacionamentos, hoje em dia, inclusive para ‘meninos e meninas’… onde beijar na boca – e em quanto mais boca para minha listinha, melhor… é moda, é cool!
O fato é que chamou-me atençao a recorrente caracterização ou generalização – uma qualquer possibilidade de colocar, mais uma vez, a mulher como uma vitima, como presa – que talvez nao seja o foco da matéria, mas, que invariavelmente nos remete a ela… pelo título em gênero masculino, talvez ou pela ‘regra’.
Bom estarmos, tambem, atentos ao que ‘nós’ queremos de um relacionamento… do outro e do que diz respeito a nós, mesmos.sejamos homem ou mulher.
O certo é que deve haver um momento em que precisamos procurar acalmar nosso coração, fazê-lo entender que pode-se compartir com consistência, e que para isso temos de deixar o amor tocar-nos sem medo e sem pressa. Sem passado e sem futuro… mas com presente e como presente.