O presente artigo faz algumas considerações sobre a mulher histérica. Entretanto, ao longo dos nossos estudos sobre a psique, descobrimos que a histeria não é um caso específico e/ou restrito somente as mulheres – há, portanto, muitos homens histéricos. Mas sabemos que foi por meio das mulheres que Freud começou seus estudos referente a histeria – e começou demonstrar o deciframento do desejo inconsciente através da escuta. Embora, o próprio Freud durante o seu percurso deixasse claro, que seria impossível conhecer a profundidade dos desejos de uma mulher.
O vocábulo “histeria” deriva-se da palavra grega hystera (matriz, útero). A noção da doença histérica remonta a Hipócrates, época em que era considerada uma doença orgânica de origem uterina presente, então, nas mulheres. No século XVI, a idéia de que a histeria provinha do cérebro abriu caminho para se pensar em o sintoma histérico estar presente também nos homens. Já no século XVII, “(…) pôde-se invocar, em vez da antiga sufocação da matriz, o papel das emoções, dos “vapores” e dos “humores”, a ponto, aliás, de confundir numa mesma entidade a histeria e a melancolia” (Roudinesco, 1998, 338).
Neste artigo, porém, abordaremos o enigma da mulher histérica. A anormalidade antes vista na histérica, deu lugar nos dias de hoje, a uma nova representação do sintoma, não mais percebendo na histeria uma patologia, mas uma personalidade enigmática. O sintoma, então, para a Psicanálise, não é mais uma anormalidade, mas sim, abrigado no inconsciente – e atribuído a eventos inconscientes que não pode ser dito. Freud denominou isso de recalcado, e descreveu sua reconstituição sob a denominação de sintoma.
“A explicação do enigma é a repetição do enigma”. Clarice Lispector
A mulher histérica impacta a primeira vista pelo seu perfil: sedutora, vaidosa, extrovertida, extravagante, excêntrica e incisiva nas suas investidas. Demostrando alegria e êxtase em suas conquistas, para em seguida, machucar o sujeito o qual seduziu. Usa e abusa da sexualidade – é sexy e possessiva por natureza. Dissimula um amor romântico na busca de fama. Necessita de palco para representar a sua teatralidade. Mas, o que ela quer mesmo é fama, ser o centro das atenções, inclusive, quando se sente amargurada diante os eventos da vida.
Tudo que ela toca e faz é com muita sensualidade. Mas todo cuidado é pouco. O seu olhar, assim como a sedução sexual da qual ela se utiliza, são um engodo. Quando ela mira a sua presa – esta o deixa perdidamente sem direção (exceto a sua própria direção). Usa o seu corpo como sua maior arma de provocação – tudo para deixá-lo envolvido e enrolado.
“A questão, justamente, é saber por que, para que uma histérica mantenha um relacionamento amoroso que a satisfaça, é necessário, primeiramente, que ela deseje outra coisa, e o caviar não tem aqui outro papel senão o de ser outra coisa, e em segundo lugar, que, para que essa outra coisa desempenhe bem a função que tem a missão de desempenhar, ela justamente não lhe seja dada”. (LACAN, 1999, p. 376)
A mulher histérica lança seu olhar fulminante e sedutor, mas, que denota também, uma carência de afeto. E mais que isso: possui em seu olhar penetrante a perdição do encantamento na fantasia dos apaixonamentos – ela é que podemos chamar de: “o calcanhar de Aquiles,” para a fragilidade de um homem envaidecido. Consegue deixá-lo sentir-se intensamente amado, desejado, quando na realidade, a histérica só sente amor e desejo por si mesma. A histérica é extravagantemente narcisista. Na estrutura histérica, observa-se alguns adjetivos bem demarcados: sedução, dissimulação, egocentrismo, vaidade, exibicionismo, manipulação, possessividade, dramatização, humor oscilante, precipitação e mitomania.
A histérica, na verdade, expressa o seu lado homem, no entanto, não é homossexual – da forma a qual as mulheres que desejam outras mulheres. A histérica apenas se alimenta de uma identificação imaginária com o homem para encontrar as perguntas e respostas, referente à essência da feminilidade. Assim, o ponto nevrálgico da histérica em relação a sua feminilidade é devido o luto pelo pai que não pôde lhe responder o que é ser uma mulher.
Entende-se que à mulher histérica recria um homem e o eleva a condição amo. O homem nesse caso é o significante amo na histérica, o que nos faz entender que o pai é o primeiro dos amos, sendo o pai o amo na maior hierarquia.
Na falta do homem, a mulher histérica sintomatiza e adoece, pois ela necessita do homem para realizar suas fantasias – mas em contrapartida, na presença do homem – ela se coloca numa posição em que possa manipula-lo, mostrando-lhe como um homem deve ser e agir. Pois, na verdade, é ela quem mantém as rédeas na relação.
Atenção, homem envaidecido: o amor da mulher histérica é intenso e ao mesmo tempo falso, forte e frágil, vasto e superficial – ela é imprevisível. A sua mitomania, que é um ato clássico de mentir e acreditar na própria mentira é incisivo, pois é um traço de sua personalidade muito forte.
Na histeria há uma miscelânea de fantasia e realidade, não sabendo quando uma começa e a outra finaliza. De imaginação fértil e fantasiosa, pode chegar a calúnia para chamar a atenção sobre si mesma, e sentir-se o centro do universo. A histérica costuma afirmar que o homem (vaidoso e sedutor) foi quem a seduziu, inventando histórias onde é vítima da sedução sexual.
Geralmente, diz ser perseguida pelo amigo do namorado, o parente do marido, o colega de trabalho do namorado, o namorado e/ou marido da irmã etc. Assim, engana e se engana para ser valorizada. A necessidade de público que tem o sujeito histérico é para representar, tanto para si quanto para toda a platéia, que a mesma consegue abarcar.
“Freud vai dizer que a histeria está ligada a uma fixação à fase fálica. Nesta fase, ao se deparar com a percepção de que a mãe não tem falo, o mundo da criança passa a ser dividido entre fálicos e castrados, os primeiros considerados seres superiores e os segundos, inferiores. É ao passar pela resolução do complexo edípico que a criança poderá aprender a diferença entre os sexos e dividir as pessoas em homens e mulheres”.
A histérica não sabe o que é ser mulher, mas, faz uma representação do que é ser mulher, por isso, muitas vezes demonstra um ar teatral e exagerado!
“Freud coloca que o excesso de adereços numa mulher seria uma tentativa de compensação pela sua falta de pênis. Há um jogo que se passa na falicidade, em que há uma ilusão de não estar se perdendo nada”.
“Segundo Silvia Fendrik, do ponto de vista estrutural a histeria supera o âmbito do psicopatológico para ser um modo específico de estruturação do desejo relacionado ao Édipo”.
Alguns homens, dizem preferir as mulheres histéricas, pois elas têm suas vantagens…!
Na visão lacaniana, o desejo da histérica é desejo de desejo do Outro. A histérica vive para ser desejada. Ela necessita do homem, e para isso, ela é pertinente na condição de dar-se como objeto, mas, é da natureza da histérica, sustentar o amor para depois destituí-lo e instituir Outro. Por fim, todo jogo da histérica está na sua sexualidade que envolve o Outro – explora aquele que ela dissimula amar e desejar para depois rejeitar.
REFERÊNCIAS
O Recalque (1915) In: Escritos sobre a psicologia do inconsciente, v. 1. Rio de Janeiro: Imago, 2004.
FREUD, S. A interpretação dos sonhos (1900) In: Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de S. Freud, vol. 4. Rio de Janeiro: Imago, 1987.
ROUDINESCO; PLON, M. Dicionário de Psicanálise. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.
Cléo Pires (Advogada)
Profunda reflexão, em MUITOS pontos concordo , mas em outros não…Com relação a ela (histeria) , talvez possamos parodiar o verso que Fernando Pessoa escreveu sobre o poeta, mantendo as mesmas metáforas que ele usou:
“O poeta (o histérico) é um fingidor
Finge tão completamente
Que às vezes finge que é dor
A dor que deveras sente.”
Obrigada por este excelente texto.
Luzinete ferreira andrade
Olá LUZZIANE BOM DE MAIS…ESTOU ESTUDANDO UM POUCO SOBRE ESSE ASSUNTO EM PSICOLOGIA…CONSIGO IDENTIFICAR ALGUNS FATOS Q ACONTECERAM…AFINAL MULHER HISTÉRICA E COBRA JARARACA SÕ BEM PARECIDAS…KKKKK MAS TEM HOMENS QUE ADORAM…bjus AMIGA SAUDADES…
Clara Piquet
Poxa, que texto mais contundente e interessante!!!!
Fui lendo e mentalmente repassando figuras conhecidas da Historia, personagens de novelas e ate mesmo, mulheres que sao próximas a mim (ate da minha familia) reconhecendo alguns traços nas características dessas pessoas que poderiam leva-las a serem consideradas “histéricas”.
Adoro ler sobre psicologia e psicanálise, ate porque isso nunca foi fonte de meus estudos e tudo traz uma novidade e um interesse muito grande.
O ser humano e um vasto campo de estudos e pesquisas e felizmente existiram competentes pesquisadores da mente humana e existem profissionais maravilhosos que trazem luz a tantos problemas que podem ser sanados e acabar com tanto sofrimentos.
Esse texto esta ótimo, parabéns e obrigada por compartilha-lo comigo!
Um beijo,
Clara.
Na nossa ignorância sobre a matéria, histeria parecia ser sempre um “ataque” dos nervos….rsrs
Rosah Bittencourt
Dra Luzziane Soprani. Sempre com artigos que nos fazem pensar… Refletir… Adoro! Veja a coicidência:
Essa semana chorei de rir ao encontrar uma grande amiga que é médica e neurocirurgiã/neurologista, ela me contou que um dia deste atendeu num plantão um guri de apenas 19 anos que estava completamente histericizado, com paralisia nos braços. Veja bem um GURI. Ela suspeitou desde o princípio que o paciente não tinha nada que a Medicina pudesse fazer por ele, mas, na dúvida, mandou fazer todos os exames, e organicamente ele não tinha nada mesmo. Hummm… Era histeria! Ela ligou para a psiquiatra amiga dela, que a orientou a encaminhar o paciente para tratamento psiquiatra/psicanalista e a prescrever um remédio ( não sei o nome…. Era uma medicação para agir no cérebro e fazer o histérico “esquecer” que está paralisado”. No final das contas, segundo ela… quem tem histeria tem que cuidar da mente, tem que fazer tratamento voltado para a psique. A lesão é dinâmica e não física.
Na verdade, segundo essa amiga . O histérico é, aquele ser que desperta paixões
E. O foco do histérico é ser desejado pelo outro, muito em função de não saber o que quer .
Lendo o teu Artigo:
Aprendi que a necessidade do histérico é chamar a atenção, se coloca numa posição de não ter sido amado pelo outro.
Aprendi também que ele é sedutor, pois ele tem desejo de ser desejo do outro. Ele tem pouco foco no desejo dele mesmo, ele é perdido muitas vezes, não sabe o que quer. O gozo do histérico é seduzir ….
Ameiiiii o teu artigo amiga. Espero que eu tenha aprendido um pouquinho mais sobre a histeria….
Beijo e uma linda semana…
Muito sucesso querida !!!
Thiago
Muitíssimo esclarecedor, Luzziane!!!
Aparentemente toda mulher é histérica, o que definiria uma patologia seria a intensidade exacerbada daqueles adjetivos.
E lendo, me pareceu ser crucial a fixação na fase fálica como propulsor de tais adjetivos.
Me corrija caso esteja equivocado, ok?
Siga em frente pois seus artigos são fabulosos!!!
Forte abraço!!!
Josy
Achei muito bom teu artigo caríssima colega e amiga!!Lembrei de um professor que tive que dizia que uma característica marcante no conjunto de “adjetivos”de uma mulher histerica, é a presença de um olho essencialmente marcado, digo, pintado de maquiagem…fato este, que deixa claro o desejo em chamar atenção, a sedução pelo olhar, o que você citou bem claramente o que Freud diz que a mesma ficou fixada na fase fálica!!Durante seu percurso, Freud percebe que todas as mulheres possuem uma queixa em comum, um ponto de apoio que as permita reconhecer seus desejos: o que é uma mulher? Ele se cala diante da tarefa de responder essa questão. A feminilidade é definida como uma conquista a ser realizada pela menina: tornar–se mulher. Eis o cerne da questão freudiana sobre a feminilidade. Esta é vista por Freud como um enigma
Ele se refere à mulher como um continente negro e numa aproximação do feminino.Penso, nos dias de hoje, que será que todas nós mulheres temos componentes da personalidade Histérica??o que difere da histeria em si como patologia.
Mariane Moura
Histérica sua sedutora cheia revés, para de atravessar o meu caminho! Entao a Histérica se pronúncia., Ah, mas você não ouse me contrariar!!! Rsrs.
“Fale. Diga alguma coisa sobre mim. Você sabe. Ah, você não sabe nada!” (Desafiou a histérica ao seu terapeuta).
Freud, “A histeria tem forte afinidade com a feminilidade, da mesma forma que a neurose obsessiva com a masculinidade, afigura-se provável que, como um determinante da angústia, a perda do amor desempenha o mesmíssimo papel na histeria que a ameaça de castração nas fobias e o medo do superego na neurose obsessiva”.
Acho que de perto, perto mesmo, o nosso equilíbrio não passa de um conjunto de desequilíbrios…
Simplesmente, adorei o artigo. Andei vagando pelo seu site e encontrei outro artigo que me deleitei! Pág, 6 desse mesmo blog. A histérica e o Obsessivo. Não tem casal melhor!!! Rsrs.
Vera Kalsing
Olá! Gostaria de saber sua opinião sobre uma possível relação entre histeria e a fibromialgia. Obrigada!