Freud definia amor, como um sentimento que existe para além do prazer de se entregar a outra pessoa, não tem dimensões, nem tempo, nem cálculo – como analisa no seu livro, de 1920, a ideia de para além do princípio do prazer. Aliás, é a hipótese que intitula o livro. Normalmente, temos um Ego que sai de Si para se entregar a outro Ego, com a observação sistemática de um outro princípio que observa esse Ego ou Eu, o de Superego ou a consciência de saber que existimos não apenas para nós, mas também para os outros.
Para entender o desejo e união dos amantes é necessário lembrar que existem dois níveis na relação: inconsciente e consciente. Mesmo sabendo que a paixão não é infinita a pessoa quimericamente crê que a paixão pode se perpetuar no fulgor da relação. As emoções sentidas são intensas. Nesta fase tudo é intenso, colorido, transparente, perfeito, alegre e desencadeia a maior parte dos vínculos, por isso é desejada por todos. É o momento em que a pessoa se permite idealizar o que ela necessita no outro. É o relacionamento da pessoa consigo mesma, projetada no outro. Esta fase de encantamento tem uma visão narcísica, “onde a pessoa ama sua própria imagem refletida”. A pessoa projeta no outro o que ela deseja. Apaixona-se pelo que ela criou no outro. É cientificamente comprovado que a paixão não dura para sempre. O pavor de perder a pessoa, o ciúme descontrolado e a necessidade de estar com o parceiro o tempo todo passam naturalmente. E querer manter este clima de impossibilidade leva a equívocos, a separações e, nos casos trágicos, até à morte. Eis aí os dois níveis da relação: inconsciente e consciente.
Todo casal tomado pela fantasia de preenchimento total – estranhará tudo que represente um afastamento desse desejo primordial. Um mínimo de desatenção, uma voz menos carinhosa, um tempo maior de separação, tudo coloca o parceiro em situação de ansiedade, de insegurança quanto ao amor do outro – ainda que ele saiba, com outra parte de sua personalidade, que não se trata disso. Os amantes mantêm-se preocupados em não deixar que o outro sofra as angústias da dúvida irracional. Repito: racionalmente, ambos sabem que adiamentos ou mudança de tonalidade de voz não significam deixar de amar; mas se o inconsciente aí se manifestar, trará uma insegurança inapropriada.
No topo ideal, uma relação se realiza em estado de fusão, entretanto, a perda de identidade dos parceiros, leva a uma situação prazerosa, porém ameaçadora. É necessário um movimento de afastamento e individuação para que os parceiros recuperem seu próprio eixo, quando então poderão voltar a viver as delícias de uma intimidade funcional. Se cada um puder entender o conhecimento dos desejos e temores inconscientes – a convivência do casal ganhará em intensidade, tranquilidade e relaxamento.
“A transformação, seja ela em qualquer campo de nossas vidas, é benéfica”. Quer dizer que passamos para outra fase, que conseguimos enxergar a vida de outra forma, na maioria das vezes com mais segurança e maturidade.
A paixão é uma das relações afetivas mais sem limites. O limite é fundamental no aprendizado do amor, tornando o relacionamento maduro e saudável.
Lucinha Almeida
Estou adorando ler…
Interessante mesmo… Na verdade amar o próximo como a ti mesmo… Só poderemos amar sabendo e sentindo… A felicidade deve estar em nós e apenas complementá-la com um(a) parceiro(a)… É o amadurecimento que tanto precisamos e não praticamos… é isso?
Beijos
Lucinha
Isloany Machado
Lacan dizia que amar é dar o que não se tem para quem não quer. Acho que nem amor nem paixão são capazes de preencher ou retificar o desencontro que há na parceria amorosa, consequência dos desenganos da linguagem. Tanto um quanto outro são significantes que fazem suplência a esta falta radical em que o humano é lançado com a entrada na linguagem!
Parabéns pelo texto querida!!
Abraço
Roberta Rocha
Quem não acredita no amor, não acredita na vida. Quando falamos de relacionamento ou de uma relação AMOROSA, falamos da interdependência que deve existir entre nós seres humanos; enquanto as pessoas não entenderem isto, não é fácil entender o que é um relacionamento. Nos relacionamentos, é necessária a amizade, companheirismo, porque a amizade faz parte do amor, por outro lado, não devemos fazer projeções de EUS IDEALIZADO no OUTRO… Creio que o amor está em nós e para quem sabe que o nosso amor é suficiente não idealiza o outro como espelho de sua ausência, o outro entra em nossa vida para acrescentar, mas não para dar o que eu não tenho e exijo que ele me dê… isto não é amor, mas uma cobrança autoritária e esmagadora no outro. Existem muitas maneiras de manifestar está cobrança, e uma delas é a humilhação que o outro traça no objeto desejado, quando consegue o objeto se cansa e passa ao estado de humilhação. A diferença entre amor e paixão, é que a paixão traz intranquilidade e sofrimento, apesar da adrenalina gostosa que sentimos. O AMOR está ligado a nossa liberdade de consciência e paz de espírito, a paixão se localiza no Ego idealizado, mas o ID é que dá o estado de adrenalina. O AMOR se localiza no coração e na consciência.
Luzziane Soprani, você sempre nos traz assuntos que nos faz sentir e pensar… Mais um texto com uma leitura gostosa e de aprendizado.
Carmen Quartim Madia
Que delícia Luzziane!
Dancei nessa ciranda de palavras, segui todos os movimentos conforme me conduziam, me vi ora dentro da roda, ora fechando a roda abrindo a mão que dá e a mão que recebe!
Texto gostoso e de grandes ensinamentos.
Concordo plenamente com você, quando diz – ” É necessário um movimento de afastamento e individuação, para que os parceiros recuperem seu próprio eixo, quando então poderão voltar a viver as delícias de uma intimidade funcional.”
Parabéns, continue nos presentiando com seu saber!
Bj gostoso,
Carmen
Carlos Ragazze
Quanta sensibilidade nos seus textos. (“Uma profissão/ocupação pode ser escolhida por qualquer pessoa, mas não é para qualquer pessoa”). Parabéns.
Abraço!